Ciência explica por que o cachorro é o melhor amigo do homem
24/07/2017
Em algum momento entre 33 mil e 14 mil anos atrás, teve início uma história de amizade que mudaria, para sempre, a jornada do homem e de seu fiel companheiro na Terra. De lobos selvagens, os cães foram domesticados e jamais abandonariam os humanos, acompanhando-os por todos os cantos, em sua colonização do globo. O que facilitou essa transição sempre foi objeto de curiosidade científica. Agora, pesquisadores norte-americanos sugerem que a sociabilidade canina está nos genes, oferecendo uma explicação diferente da tradicional.
A teoria mais aceita até hoje diz que os primeiros cães domesticados eram lobos que se aventuraram nos assentamentos humanos para se beneficiar dos restos de alimentos. Por sua vez, os homens pré-históricos também tiravam proveito dessa aproximação, pois tinham proteção e companhia para caça. A aparência dos protocachorros começou a evoluir, ganhando características como redução do tamanho da cabeça, olhos e orelhas caídas e rabo abaixado, entre outras, o que conferiu a eles um aspecto de eternos filhotes e, consequentemente, nada ameaçadores. Além dos traços físicos, eles alteraram o comportamento, provavelmente influenciados pela coabitação com humanos.
Porém, diferentemente de estudos anteriores, segundo os quais, na domesticação, os cães foram selecionados pelo conjunto de habilidades cognitivas — em especial, a capacidade de distinguir vozes e gestos —, o novo trabalho sugere que a seleção teve outro critério: a tendência de procurar a companhia do homem. “Se os homens pré-históricos fizessem um contato com os lobos que mostrasse interesse por eles, e só quisessem conviver e criar esses protocães, os animais teriam explorado o traço social”, observa Bridgett vonHoldt, professora de ecologia e biologia evolutiva na Universidade de Princeton e coautora do artigo, publicado na revista Science Advances.
Alteração molecular
Essa seleção, segundo os pesquisadores, tem origem no DNA. “As bases genéticas para a divergência entre cães e lobos têm sido pouco compreendidas, especialmente em relação ao sucesso dos cachorros nos ambientes humanos”, afirma Monique Udell, investigadora de comportamento animal da Universidade Estadual de Oregon, que liderou o estudo. “Já se imaginou que, durante a domesticação, os cães evoluíram uma habilidade avançada de cognição social que falta aos lobos. Nossa nova evidência sugere que, em vez disso, eles têm uma condição genética que os leva a ter uma motivação exagerada a procurar contato social, comparado aos lobos”, afirma. De acordo com Udell, que dirige o Laboratório de Interação Humana-Animal da instituição, esse é o primeiro estudo que integra dados genéticos e comportamentais para investigar as alterações moleculares que ocorreram na domesticação.
A pesquisadora conta que se juntou, há sete anos, a Bridgett vonHoldt para tentar buscar, nos genes, o traço de hipersociabilidade canina. Para isso, a equipe comparou o comportamento de 18 cães — alguns de raça pura, outros misturados — ao de 10 lobos de cativeiro, criados desde sempre por humanos em uma instituição de pesquisa no estado de Indiana. Como se poderia esperar, os cachorros eram muito mais amistosos que os lobos, mesmo tendo os animais selvagens nascido em um ambiente controlado por pessoas. Tanto eles quanto os cães faziam festa para os visitantes humanos, mas os cachorros continuavam a interagir com eles por muito mais tempo, ainda quando a visita fosse de um desconhecido.
Isso fez as cientistas associarem o comportamento dos cães ao de humanos com síndrome de Williams-Beuren, um transtorno comportamental que torna as pessoas muito amistosas e confiantes. O distúrbio é resultado de perda de uma parte do cromossomo 7. Bridgett vonHoldt se concentrou nesse segmento do DNA porque, previamente, descobriu que essa região, que nos cães corresponde ao cromossomo 6, teve uma importância fundamental na evolução canina. A cientista resolveu, então, investigar se a alteração genética seria responsável pela sociabilidade canina.
Testes
O estudo começou com a pesquisa comportamental. No primeiro teste, uma pessoa chegava com uma caixa contendo salsicha e a deixava ao lado do animal. Ele tinha de abri-la em dois minutos. Os cães foram mais propensos a encarar o humano, ignorando a embalagem, enquanto que os lobos preferiram executar a tarefa. No segundo teste, uma pessoa sentava-se dentro de um círculo desenhado no chão, em duas situações: ativa e passiva. Na primeira, ela chamava o animal pelo nome e o encorajava, ativamente, a fazer contato. Na passiva, apenas ficava sentada, e ignorava o cão ou o lobo, fixando o olhar no chão. Tanto lobos quanto cachorros rapidamente se aproximavam do humano, mas os lobos tendiam a ir embora poucos segundos depois. Já os cachorros ficaram mais tempo perto da pessoa, tivesse ela ou não os estimulado a permanecerem próximos.
Depois que os testes foram feitos, os cientistas coletaram sangue de todos os animais para executar o exame genético. Bridgett vonHoldtb conta que os sequenciamentos de DNA dos cães e, em menor grau, dos lobos, mostraram grandes variações. Havia partes do cromossomo inseridas, deletadas ou duplicadas. Segundo vonHoldtb, da mesma forma, indivíduos com a síndrome de Williams-Beuren também têm variações significativas nessa região, e acredita-se que isso afeta a severidade da doença, assim como a personalidade de quem tem o transtorno.
A cientista explica que os cães hipersociais têm mais variações genéticas que os lobos. Aqueles mais amistosos com humanos, em particular, apresentavam anomalias no gene que forma a proteína GIF21, que regula a atividade de outros genes. “Uma ausência relativa de alterações no GIF21 parece conduzir a um comportamento mais distante, como o dos lobos”, explica. Em um trabalho anterior, ela havia observado que ratos manipulados para apresentar modificações nesse gene tendem a ser mais sociáveis.
» Desigualdade
Um estudo publicado no mês passado na revista Current Biology constatou que, assim como humanos e primatas, cães e lobos reagem à injustiça. Pesquisadores da Universidade de Medicina Veterinária de Viena demostraram que esses animais se recusaram a cooperar durante um experimento em que apenas o parceiro recebia um petisco, ou quando eles ganhavam uma recompensa de pior qualidade. De acordo com os autores do trabalho, isso mostra que a sensibilidade à desigualdade não é um produto da domesticação, mas uma característica que estava presente no ancestral comum
desses animais.
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