A cinomose é transmitida pelo vírus CDV (canine distemper virus, ou vírus da esgana canina). A transmissão é feita a partir de gotículas da boca e narinas dos animais infectados – os chamados sprays. Os vírus degeneram a camada de gordura dos axônios (parte dos neurônios – as células do sistema nervoso – responsáveis pela condução dos estímulos nervosos a outras células nervosas ou tecidos e órgãos que recebem estímulos cerebrais).
A doença é altamente contagiosa, mas, por outro lado, o CDV apresenta baixa resistência: ele não consegue sobreviver no ambiente depois de deixar o hospedeiro. No inverno, porém, o micro-organismo apresenta maior capacidade de sobrevivência, podendo resistir por vários meses.
Existem relatos de animais infectados em ambientes nos quais outros cães desenvolveram cinomose anteriormente. No Brasil, país em que impera o clima tropical úmido, é muito difícil que os vírus sobrevivam a mais de uma estação, ao contrário do que ocorre com os vírus da parvovirose, que podem permanecer durante mais de um ano no ambiente. Seja como for, estes vírus podem sobreviver em roupas e solas de sapatos.
Os primeiros sintomas da cinomose dificilmente são notados: eles variam de cão para cão, que podem apresentar secreção ocular, pústulas na barriga e no focinho, recusa ao alimento e, posteriormente, andar cambaleante. Os sinais clínicos da cinomose são os de uma infecção viral aguda:
• febre bifásica ou intermitente (febre alta, que pode levar a convulsões, seguida de períodos de temperatura abaixo dos 37°C);
• secreções nasais e oculares;
• indisposição física;
• inapetência e consequente perda de peso;
• depressão;
• vômitos;
• diarreia;
• desidratação;
• leucopenia (redução dos leucócitos na corrente sanguínea);
• dificuldades respiratórias;
• hiperceratose (espessamento da camada mais externa da pele) do focinho;
• hiperceratose dos coxins plantares (as almofadas dos dedos);
• mioclonia nas patas (contrações involuntárias, devidas a descargas patológicas de um grupo de células nervosas).
A cinomose apresenta quatro formas clínicas:
• cinomose pulmonar – provoca inflamações na laringe e faringe, desencadeando tosse e, em alguns casos, proporcionando a instalação de pneumonias;
• cinomose digestória – atinge especialmente o esôfago, estômago e intestino, causando desarranjos gastrointestinais;
• cinomose nervosa (neurológica) – causa sintomas semelhantes aos da encefalite (como as convulsões);
• cinomose cutânea – apresenta sintomas na pele e nas mucosas (erupções cutâneas e conjuntivites, por exemplo). É a forma mais branda da enfermidade.
Todos os cães, tratados ou não, podem desenvolver sintomatologia nervosa, mas esta é uma condição mais comum entre os animais não imunizados. Os sintomas variam de animal para animal, uma vez que é o próprio organismo do cão que irá estabelecer estratégias de resposta à infecção viral.
Os animais adultos e fortes apresentam melhor prognóstico, enquanto os filhotes – os mais acometidos pela doença – e os idosos demandam acompanhamento veterinário (e internação, na maioria dos casos).
A vacina é a única forma de prevenção da cinomose. Ela deve ser aplicada aos 45, 75 e 105 dias de vida; posteriormente, a imunização deve ser feita ano a ano.
Não existem campanhas públicas e gratuitas de vacinação contra a cinomose; os tutores precisam recorrer a clínicas particulares. Em média, o custo da vacina é de R$ 60, um investimento considerado baixo. Mesmo assim, o homem é o principal vetor da enfermidade, por não imunizar adequadamente os pets contra a cinomose.
Não existe tratamento específico para a cinomose. Os veterinários aplicam doses de vitamina A (em laboratório, a vitamina forneceu um índice de 100% de cura), aliadas a medicações para tratar os sintomas de cada caso.
O problema é que, quase sempre, os cuidadores só percebem a presença da cinomose quando os sintomas – comuns a muitas doenças – já se encontram em estágio avançado (os quadros de distúrbios pulmonares e digestórios não costumam ser suficientes para despertar alarme entre os proprietários). Na maioria dos casos, a principal indicação é o sacrifício dos cães, especialmente quando os sinais neurológicos já estão instalados, e estes são de difícil reversão (quando não impossível).
Seja como for, a cinomose não é necessariamente letal, quando diagnosticada de maneira precoce. Até pouco menos de uma década, a enfermidade representava uma história triste: de insucesso para os veterinários e de desespero para os responsáveis.
Além de fatores quase culturais, supunha-se que as lesões nervosas apresentavam necessariamente características autoimunes e, desta forma, mesmo que elas pudessem ser curadas, restariam sequelas. O que acontece de fato é que a prescrição de anti-inflamatórios (quase sempre o tratamento se baseava em corticoides) afeta seriamente o sistema imunológico dos cães, permitindo a proliferação do CDV e uma reação autoimune – que é potencializada para conter as células infectadas pelo vírus.
O tratamento mais eficaz atualmente é um “empréstimo” de terapias consagradas para combater vírus semelhantes:
• ribavirina e vitamina A, utilizados no combate ao sarampo, causado por germes da mesma família (paramixovirídeos) e gênero (morbilívírus);
• alfa interferon, utilizado no tratamento de aves domésticas e selvagens afetadas pela doença de Newcastle, causada por germes da mesma família, mas de gênero diferente (avulavírus).
Os dois tratamentos surgiram quando cientistas verificaram que a cinomose é uma doença equiparável ao sarampo e, desta forma, os cachorros infectados poderiam ser úteis para o desenvolvimento de novas drogas para tratamento da virose humana.
Posteriormente, a pesquisa revelou se de mão dupla: além de melhorar o tratamento do sarampo, ela também poderia combater a cinomose. O uso de altos níveis séricos de vitamina A, atualmente, vem sendo preconizado inclusive pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A vitamina A revelou-se extremamente eficaz: em ensaios clínicos, o emprego em animais (alguns inclusive na fase neurológica) atingiu 100% de sucesso terapêutico. O motivo é que os carnívoros (o homem, inclusive) conseguem transformar este retinoide em ésteres não tóxicos, o que evita uma possível hipervitaminose, condição que pode levar à morte.
Seja como for, o tratamento contra a cinomose é caro, longo e arriscado, quase sempre deixando sequelas na locomoção, dificuldades respiratórias, problemas renais e hepáticos. O ideal é investir na vacinação, para que os nossos pets possam manter a boa saúde. A vacina é a melhor arma que temos à disposição – e precisa ser renovada ano a ano.
-----------------------------------------------------------------